Maria Ulrich
Por Palmira Simões O modelo de formação de professores, preconizado pela ESEI Maria Ulrich, assenta numa ideia de educador que ultrapassa o domínio das técnicas A raiz da escola, a herança de Maria Ulrich – sua fundadora em 1954 – pretende, sempre, propor um projecto de vida em que cada estudante se desenvolva pessoal e profissionalmente. Como Maria Ulrich escreveu: “A nossa escola nunca se propôs, nem se propõe, formar técnicas – como infelizmente, por exigência de quadros são denominadas, por vezes as nossas educadoras. Ela pretende acima de tudo formar valores humanos (…) a transmitir, antes de mais à infância, tão receptiva, sempre! Mas também para além destas, às suas famílias e a toda a sociedade.” A actualidade desta proposta de transformação do mundo, pela educação em valores – património cultural e pedagógico desta escola – funda-se na formação pessoal, científica, artística e técnica, actualizada e rigorosa, em que o constante contacto com os terrenos e problemáticas da educação, permite aferir e adequar saberes às realidades sociais contemporâneas. Maria Ulrich valorizou a autonomia e o jogo como meios de aprendizagem essenciais. Em função disto, como se pode definir um dia-tipo numa sala orientada por uma educadora formada pela “Maria Ulrich”? Ana Levy Aires* responde: A definição desse dia-tipo tem de ter em conta o contexto de trabalho desse educador: Quem são “estas” crianças? Que modos de pensar, sentir e agir partilham as suas famílias? Quais as suas necessidades de desenvolvimento? E, não menos importante, o que sabem e gostam de fazer “estas” crianças? A partir destes e outros dados iniciais, há que organizar, equilibradamente, tempos em que brincadeira e interacção com os pares sejam enriquecidas com a possibilidade de novas experiências facilitadas pelo educador que deve ir acompanhando pequenos projectos de grupo ou individu¬ais e aprofundando o seu conhecimento sobre o grupo e cada criança. Este dia-tipo tem que contemplar uma diversidade de materiais, experiências e recursos (e o educador e a sua relação com as crianças é o primeiro recurso educativo!) que promovam descobertas, aprendizagens, o gosto pelo desafio, sentimentos de competência e uma cultura de grupo em que todas as crianças se sintam parte integrante. O educador privilegia materiais pouco estruturados (como os recolhidos e/ou observados na natureza), ou seja, materiais que não dão respostas à partida, permitindo à criança construir, resolver problemas, perguntar, responder e voltar a perguntar… O educador acompanha, conversa, escreve, recoloca com as crianças as questões e as respostas. Facilita meios para a socialização e sedimentação da experiência e para a tomada de consciência das suas implicações. O jogo como meio de aprendizagem Ainda segundo Ana Levy Aires, hoje e cada vez mais, é preciso saber pensar, interpretar e agir no mundo com outros. Falar, ler, escrever, fazer contas, são ferramentas conceptuais importantes se alicerçarem e expandirem o gosto de pensar, comunicar e ser socialmente responsável. É preciso ter em conta que uma aprendizagem efectiva destas competências não se constrói de um dia para o outro. Em educação os pro¬cessos são tão ou mais importantes do que os resultados e, sendo assim, estes nunca são imediatistas. Mas, por outro lado, cada dia na vida da criança é irrepetível e o educador não pode deixar o tempo escoar-se, va¬zio – sem referências e sem esperança de novas aprendizagens. Como tal revela-se necessário animar o gosto pela aprendizagem, pelas novas responsabilidades, actuando com reconhecimento e apreço pelas crianças e as suas culturas. As culturas das crianças não são apenas o meio social e cultural em que vivem. Há especifidades das suas cultu¬ras, como a ludicidade, em que a criança não só imita como (re)cria realidades (materiais e sociais) que precisam de encontrar tempo, espaço, materiais (e educadores) capazes de as desenvolver e integrar no estilo de acção educativa que considerarem ser a resposta mais adequada à “circunstância” das crianças e também ao seu próprio projecto profissional. * Ana Levy Aires, Educadora de Infância, mestre em Antropologia; presidente do Conselho de Direcção da ESEI Maria Ulrich; investigadora do Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa – FCSH/UNL |
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