Piaget e o Movimento da Escola Moderna

 


Texto: Maria Emília Brederode Santos

Durante anos pedagogos e professores esforçaram-se por extrair consequências pedagógicas das teorias psicológicas de Piaget. O estudo do desenvolvimento da criança levado a cabo por Piaget parecia tão importante! Que se poderia retirar dele para que as crianças aprendessem melhor?

Mas Piaget o que estudava era o desenvolvimento de todas as crianças, as invariantes desse desenvolvimento, que, em larga medida, seria endógeno, exigindo apenas qualquer contexto social… que “lições” tirar para a escola?
Podemos acelerar esse desenvolvimento?, interrogaram-se alguns, o que logo seria afastado por Piaget: Essa é bem a questão americana! Mas acelerar o desenvolvimento para quê? Os gatos desenvolvem-se mais depressa do que as crianças mas não é por isso que chegam mais longe… Alguns pretenderam “ensinar” às crianças os “testes” de Piaget ao que este contrapunha: Que absurdo! É como usar um termómetro para curar uma doença!
Para outros tratava-se de deixar a criança crescer e “maturar” espontaneamente mas este era um caminho que levava ao agravamento das desigualdades sociais e ao aniquilamento de qualquer educação.
Finalmente, no início dos anos 70, começou-se a delinear a seguinte hipótese: a Psicologia de Piaget «apenas» servia para se compreender melhor o desenvolvimento da criança, não para nela assentar uma pedagogia. Seria à Epistemologia de Piaget, à sua Teoria do Conhecimento, que seria possível fazer apelo para fundamentar cientificamente aquilo que já existia e era já conhecido como “métodos activos” e “Escola Moderna”.
Conceitos e perspectivas como o desenvolvimento e a aprendizagem profunda, os factores endógenos e exógenos desse desenvolvimento, o papel dos pares na evolução da heteronomia para a autonomia, os esquemas mentais através dos quais o ser humano vê a realidade, a construção e evolução desses esquemas mentais pelo jogo da assimilação e da acomodação, o erro visto como resistência da realidade aos esquemas mentais do sujeito e desencadeador da sua actividade mental, da transformação dos seus esquemas mentais e portanto das aprendizagens… permitiam fundamentar uma pedagogia que partisse do estado cognitivo em que a criança se encontrasse e nele construísse as aprendizagens.
O papel da educação seria, assim, o de proporcionar situações que interpelassem a criança, que suscitassem um desequilíbrio (uma «discrepância cognitiva») entre os seus esquemas mentais e a realidade, que constituíssem verdadeiros problemas (acessíveis à sua compreensão mas não resolúveis pelas respostas de que já dispusesse) e conduzissem a interrogações (a «verdadeiras perguntas»), à procura activa de respostas. O papel da educação, o papel do professor/educador, seria, depois, ir orientando a procura de resposta da criança através de perguntas que seguissem o seu raciocínio (e aí, sim, podendo-se inspirar no «método clínico» de Piaget) e dando-lhe «dicas» para a estimular. O papel da educação nesta perspectiva construtivista da aprendizagem seria, pois, usando uma metáfora apropriada, o de ir proporcionando «andaimes» para a criança ir construindo o seu saber.

Construção do saber
Uma outra dimensão já existente em certos estudos de Piaget mas depois muito mais trabalhada por alguns dos seus seguidores mais ligados à Psicologia Social é a dimensão social, a importância dos colegas, dos «pares», na construção do saber.
Willem Doise e Anne Nelly Perret Clermond, entre outros, mostraram como o trabalho autónomo e conjunto de crianças com níveis de desenvolvimento próximo (para se poderem compreender) mas diferente (para existir um “desequilíbrio” cognitivo) tinha efeitos positivos na aprendizagem não só da criança de nível mais baixo mas também da criança de nível superior.
Tratou-se de mais uma confirmação da justeza das intuições de Freinet e outros proponentes do Movimento da Escola Moderna, que defendem que “aprende-se fazendo” o «learning by doing» de John Dewey), sendo que o “fazer” não se limita à actividade física e, inclui, necessariamente a actividade mental. Para isso Freinet desenvolve um sistema organizado em torno de três dimensões: a sala de aula organizada de forma cooperativa; o trabalho de projecto como forma de adquirir e construir conhecimentos; a produção dos seus próprios instrumentos de trabalho pelo professor e pela turma (por exemplo, o jornal escolar ou a correspondência inter-escolas). Outros valiosos contributos de Freinet serão abordados a propósito de outros temas.
Em Portugal, os métodos da Escola Activa, especialmente as técnicas Freinet, foram experimentados pela equipa de Maria Amália Borges de Medeiros (que incluía pedagogas e professoras como Rosalina Tainha, Isabel Pereira e Ana Mª Bénard da Costa e psicólogas como Graça Barahona Fernandes), primeiro clandestinamente, depois no Centro Helen Keller, onde também, pela primeira vez em Portugal, se integraram crianças cegas e amblíopes em turmas de ensino regular.
Sérgio Niza, a partir da escola da A-da-Beja, foi aprofundando, dinamizando e organizando este trabalho, criando o Movimento da Escola Moderna (MEM), formalizado juridicamente em 1976, que se tornou, de então para cá, provavelmente, no principal movimento pedagógico em Portugal com um papel relevantíssimo, designadamente na formação contínua de professores. Educadores como Ana Maria Vieira de Almeida ou José Pacheco, nos ensinos privado e público, partindo desta base, foram abrindo os seus próprios caminhos.

Links úteis
Movimento da Escola Moderna:
www.movimentoescolamoderna.pt/
Sobre Jean Piaget: www.infopedia.pt/$jean-piaget

http://www.coisasdecrianca.com/artigos/detalhe.php?idArtigo=145

publicado por salinhadossonhos às 01:46 link do post | comentar | favorito