
Por Margarida Lobo Antunes, Pediatra
A epidemia da obesidade em idade pediátrica afecta em todo o mundo cerca de 155 milhões de crianças em idade escolar. Esta epidemia já chegou a Portugal e sendo a doença crónica mais frequente em Pediatria, é um problema que preocupa todos os profissionais de saúde que lidam com crianças
Um dos últimos estudos realizados a nível nacional revelou excesso de peso e obesidade em 31 por cento de crianças entre os 10 e os 18 anos. Actualmente sabemos que as estratégias de prevenção são a abordagem mais promissora no combate à obesidade infantil.
A obesidade infantil é detectada numa consulta de rotina com o pediatra ou médico de família. O peso e estatura são utilizados para calcular o índice de massa corporal (IMC). Em seguida, define-se o percentil de IMC em função do sexo e idade da criança. Percentil de IMC entre 85-95 significa excesso de peso e acima de 95 corresponde a obesidade. A obesidade não tem limites de idade e pode afectar crianças pequenas, abaixo dos três anos.
As crianças são uma população muito vulnerável no panorama actual da nossa sociedade. Estão continuamente expostas a doces e guloseimas, “fast food”, sumos e refrigerantes através dos média que muitas vezes chegam aos bares das escolas. Os serviços de saúde devem auxiliar os pais na implementação de medidas de promoção de saúde dos seus filhos, relativamente a uma alimentação saudável e à prática regular de exercício físico.
Do ponto de vista médico o ideal será prevenir as situações de obesidade infantil. Perante um caso de obesidade já instalada a abordagem terapêutica deve ser sempre multidisciplinar com o intuito de obter melhores resultados. Sendo assim, a equipa multidisciplinar deve ser constituída por um pediatra, dietista e psicólogo. O seguimento deve ser ao longo de um ano com visitas periódicas para reforçar as metas e avaliar os resultados. Os pais devem ser encorajados a participar activamente em todo este processo. Actualmente na maioria das consultas de obesidade infantil, as crianças têm idades entre os dois e os 18 anos.
Este tipo de consulta para além de tratar a obesidade, procura avaliar e tratar as complicações ou co-morbilidades, que podem afectar vários aparelhos e sistemas. De uma forma geral as complicações reflectem-se sobretudo em quatro áreas principais, endócrinas, respiratórias, cardiovasculares e psicológicas.
Uma importante consequência da epidemia da obesidade infantil tem sido o aumento do número de crianças e adolescentes com diabetes tipo II. A obesidade infantil está relacionada com um maior risco de resistência à insulina que por sua vez está ligada à hipertensão arterial, dislipidemia, síndrome do ovário poliquístico e esteatose hepática não-alcoólica (“fígado gordo”). A resistência à insulina é um marco da síndrome metabólica definido pela existência de obesidade, hipertensão, elevação dos triglicéridos (um tipo de gordura que se encontra na corrente sanguínea), diminuição dos níveis de colesterol HDL (“colesterol bom”) e intolerância à glicose. O desenvolvimento deste tipo de situações em crianças pequenas ou mesmo adolescentes terá um impacto negativo ao longo da vida futura.
Do ponto de vista respiratório, as crianças obesas têm mais frequentemente apneia obstrutiva do sono. Esta situação leva a cansaço diurno, fraco desempenho escolar, défices de atenção e memória e pobre capacidade de decisão. Tudo isto vai comprometer a capacidade da criança de participar em muitas actividades, proporcionando um maior aumento de peso. Crianças obesas com asma muitas vezes têm restrições em termos de actividades físicas que podem comprometer o gasto de calorias.
As complicações em termos cardiovasculares também são extremamente importantes, destacando a hipertensão arterial, hipertrofia ventricular esquerda e a dislipidemia (aumento anormal da taxa de lípidos no sangue). Estima-se que as doenças cardiovasculares serão a principal causa de morte nos países em desenvolvimento até ao ano 2010. A redução de obesidade é uma medida essencial no combate a estas patologias e deve começar desde uma idade jovem.
Existe uma relação complexa entre a obesidade e a morbilidade psicológica. As perturbações psicológicas podem originar obesidade, ser consequência da obesidade, associar-se à obesidade e afectar o tratamento da mesma. Na infância, factores como a pobreza, stress social ou negligência parental podem influenciar o IMC na vida adulta.
A depressão foi demonstrada como factor precedente para o aparecimento da obesidade. Crianças e adolescentes obesas podem vir a desenvolver morbilidade psico-social que inclui: depressão, baixa auto-estima, fraco desempenho escolar e social e isolamento social.
O papel dos pais é determinante nas situações de obesidade infantil. A identificação do problema, encaminhamento para uma consulta multidisciplinar de obesidade infantil e um plano de seguimento adequado de nada servem se não houver uma dedicação total por parte dos pais a esta causa.
Os pais devem entender a importância do seu papel para o êxito no tratamento destas situações. Estas recomendações aplicam-se as todas as crianças e reflectem toda uma filosofia educacional parental.
A obesidade infantil já muito divulgada continua a ter um impacto cada vez maior em termos de saúde pública. Esperamos que com a intervenção dos profissionais de saúde e as famílias empenhadas, o futuro seja cada vez melhor.
O papel dos pais 1. Reforço positivo. Em primeiro lugar os pais devem procurar fazer sempre um reforço positivo. Devemos pensar que as crianças são sempre “boas”, os comportamentos é que são “maus”. A criança deve ser devidamente elogiada quando faz escolhas alimentares saudáveis, pratica desporto e atinge as metas propostas. Quando, em determinadas alturas, as coisas não correm bem, tentar procurar realçar o aspecto negativo do comportamento em si, procurando exemplos positivos.
2. Não usar a comida como recompensa. Os pais devem procurar outro tipo de prémios, nomeadamente actividades em conjunto com os filhos. A comida não deve ser um substituto de afecto. Passeios em família, jogos, actividades ao ar livre são práticas saudáveis e um tempo bem passado para todos.
3. Rotina de refeições em família. É uma realidade esquecida em muitas casas hoje em dia. As famílias devem fazer pelo menos uma refeição em conjunto onde partilham histórias, experiências do dia tornando a refeição num momento de agradável convívio. As refeições à frente da televisão não estimulam a relação familiar e as pessoas acabam inconscientemente por ingerir maior quantidade de alimentos.
4. Oferecer apenas escolhas saudáveis. Os pais devem procurar oferecer apenas escolhas saudáveis aos seus filhos. Sendo assim, para o lanche eles podem escolher entre diversas peças de fruta em vez de uma peça de fruta versus um gelado. Com uma escolha dessas, não há criança que resista.
5. Remover a tentação. Da mesma forma, as tentações devem ser removidas de casa. Não havendo chocolates e gomas não vai existir hipóteses de escolha nem da tentação de ir ao armário retirar qualquer coisinha.
6. Ser o “modelo”. Os pais devem servir de modelos para os seus filhos, tanto em termos de comportamento social como também em termos de hábitos de estilos de vida saudáveis. Pais que comem sopa, fruta e praticam exercício físico com regularidade têm maior capacidade de exigir este tipo de atitudes perante os seus filhos.
7. Manter a coerência. Manter a coerência é a espinha dorsal de toda a educação infantil. Os pais devem procurar manter a coerência. Se a criança só pode comer um doce à sexta-feira não é por ter feito uma birra nesse dia que vai poder comer um doce à terça. Os pais devem estabelecer as regras e os limites e não vacilarem custe ou que custar. |